Fred Itioka é autor-roteirista do programa ‘Altas Horas’ da TV Globo. O livro tem como foco a relação entre o homem gay e seu pai, além da própria historia do autor, outras 20 cartas de diversos países, incluindo o Japão
Ainda hoje ouvimos histórias de meninos expulsos de casa por conta de sua sexualidade, vítimas de violências verbais, emocionais e físicas, não apenas no Brasil, mas também em outros países. Em muitos casos, os motivos são culturais e religiosos.
Segundo Itioka, a publicação do livro surgiu durante a pandemia, mas a ideia vem de conversas informais com amigos ao longo de anos sobre dificuldades de diálogo, medo e carência.
“Comecei então a conversar com amigos gays sobre o que gostariam de falar para seus pais e a ouvir suas histórias. A maioria encontrou nessas conversas a oportunidade de se abrir pela primeira vez sobre seu passado e desabafar”, disse.
O primeiro impulso do autor foi escrever essas histórias, mas ele decidiu agir de outra maneira: incentivou as pessoas a terem suas falas escritas por elas mesmas, em forma de carta. Isso se transformou em uma terapia para muitos desses homens. Em vários casos, Fred ajudou na elaboração das cartas e no acolhimento.
O autor saiu em busca de outros personagens fora do círculo de amigos. Pesquisando ONGs e perfis em redes sociais, ele acabou entrevistando mais de 90 homens de diferentes idades, raças e classes sociais, em diversos países. Muitos desistiram no meio do caminho. Outros toparam, mas, diante do medo, tiveram suas identidades preservadas.
No livro, estão cartas de São Paulo (incluindo periferias), Minas Gerais, Rio de Janeiro, Argentina, França, Irã, Índia, Indonésia, Rússia, Taiwan, Japão, Estados Unidos, Porto Rico e de um refugiado afegão sem domicílio definido, por questões de segurança.
“Escolhi 21 cartas, incluindo a minha, que escrevi para o meu pai. Talvez tenha sido o texto mais difícil da minha vida”, afirma.
Cartas do Japão
Os dois japoneses que participam do projeto não são nikkeis; são japoneses nascidos no Japão, embora um deles more atualmente na Austrália. Itioka relata que foi muito difícil entrevistá-los à distância, em inglês, e tratar de algo tão íntimo quanto questões de sexualidade. Mas, aos poucos e com paciência, eles permitiram o acesso a essa parte tão pessoal da vida, que os japoneses geralmente não compartilham.
“Escrever a carta foi mais difícil para um deles, que foi bem sucinto. O outro escreveu um pouco mais, embora a carta não seja longa”, explicou.
O lançamento ocorreu em São Paulo e teve sua primeira impressão esgotada. A orelha do livro foi escrita pelo jornalista e apresentador Serginho Groisman, que, além de chefe, é amigo do autor e o conhece há muitos anos, inclusive por sua atuação na militância LGBT, na busca por diálogo com a sociedade e na luta contra o preconceito.
FRED ITIOKA
Fred Itioka é paulistano, jornalista e autor-roteirista do Altas Horas da TV Globo.
Aprendeu a ler com os gibis da Turma da Mônica e sonhava ser desenhista. Formou-se em Comunicação Visual no ensino médio, flertou com a Arquitetura, mas os estágios o levaram para as agências de Publicidade. Lá teve contato com o mundo do rádio e TV.
Já na faculdade de Comunicação Social, começou a carreira como redator na Rádio Cultura AM e FM e mais tarde migrou para o jornalismo de política e economia na TV Cultura.
Recebeu um convite para formar a equipe paulista do programa Vídeo Show em SP e mudou para a TV Globo nos anos 90. Alguns anos depois migrou para Rede Record para o programa Zapping, como produtor e repórter.
Nos anos 2000 foi o correspondente do canal E! Entertainment Television para América Latina e assinava sua coluna de crônicas literárias para uma revista mensal no Brasil e um jornal no Canadá.
De volta à Rede Globo, passou pelo jornalismo e a convite do apresentador Serginho Groisman passou a integrar a equipe do Altas Horas.
Cartas Fora do Armário é seu primeiro livro pelas Edições Cândido.
Palavras de Serginho Groisman ( ORELHA DO LIVRO ):
Conheci o Fred quando eu estava precisando de um jornalista para o Altas Horas que tivesse um olhar crítico sobre a realidade, mas também paixão pela arte e cultura.
Foi a escolha mais assertiva. Em pouco tempo se tornou um amigo que me ajuda nos mais diferentes temas, principalmente relacionados às questões sociais.
Mas além de ser um amigo, Fred é um batalhador incansável pela ética e pelo verdadeiro, sempre atento às lutas travadas pelos mais vulneráveis.
Agora ele lança este livro necessário com cartas escritas por homens gays de diferentes idades e países, de condições sócio-culturais múltiplas, resultado de pesquisa e muitas entrevistas ao longo de quase 4 anos.
Podemos e devemos lutar a luta justa e humana entendendo e estendendo nossos corações, mentes e braços para que a exclusão, a intolerância e o preconceito fiquem no passado.
Muitos de nós não consegue se colocar na pele e na alma de quem sofre desde a infância por não atender as expectativas de uma família ou da sociedade.
Por isso esses relatos no Cartas Fora do Armário têm o poder da indignação, mas também da solidariedade e do carinho.
É certo que pelas cartas que estão no livro, as mães leitoras abram suas asas para os filhos em situação vulnerável. Mas falar para o pai que a sexualidade despertada não vai de encontro às suas expetativas é um desafio que se torna um medo. Pela decepção, pela cultura machista, pela preocupação ou vergonha dos amigos e família, de imaginar que a educação dada ao filho não foi suficiente, e assim vai…
Escrever uma carta não é só um relato para os outros. É um documento da nossa alma, um atalho para chegar aos corações de quem às vezes não quer nem ouvir, nem ver o sofrimento e as alegrias do filho.
Por isso o Cartas Fora do Armário vêm com relatos corajosos de quem quer abrir uma porta para que os meninos gays saibam que não estão só.
Fred publica esse livro com propriedade. Sua sabedoria prática e reflexiva faz parte de sua constante batalha a favor do movimento LGBTQIA+
Curioso e gentil, é um amigo que faz parte de lutas que miram o amor e a convivência. Estamos longe disso mas esse livro abre uma janela para a esperança.
Fotos: Ricardo Soledade
Silvio Mori